segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Lembranças de São Paulo...



Em 1986, Jânio Quadros, então prefeito de São Paulo, colocou 3 novas linhas de ônibus na cidade: duas circulares no centro, a 175T Jabaquara-Tremembé e a 222T Circular Interbairros. Essa última linha, se me lembro bem, não chegou a durar hum ano. Passava, em apenas hum sentido, por vários bairros distantes do centro e voltava ao mesmo ponto de partida.

Eu resolvi experimentar hum dia...

Peguei o ônibus em Santana, passei pela Casa Verde, Freguesia do Ó, Vila Leopoldina, Jaguaré, Rio Pequeno, Vila Sônia, Morumbi, Santo Amaro, Interlagos, Jabaquara, Ipiranga, Sacomã, Vila Prudente, Sapopemba, Tatuapé, Vila Maria, Jardim Japão, até voltar, depois de SETE HORAS, ao mesmo ponto onde peguei o ônibus em Santana.

O ônibus não passava pelo centro, mas rodava a cidade toda e ficou conhecido como a ônibus que saia de nenhum lugar e não ia a lugar algum. Ao que parece, a linha foi retirada na primeira greve de motoristas sem nenhum aviso.

Lá se vão mais de 25 anos… mas me lembro muito bem daquela "viagem" sem sair da cidade.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

"O homem chega e já desfaz a natureza...



 
... tira a gente, põe represa, diz que tudo vai mudar…"


Há momentos na vida em que precisamos por em prática aquilo que planejamos… em que temos que viver o dia sem adiar demais nossos desejos. Porque o tempo passa e os momentos passam também.

Pensei nisso esses dias ao rever algumas imagens das Sete Quedas do Rio Paraná em huma antiga reportagem da Globo.

Eu nem era adolescente ainda quando vi pela primeira vez as fotos das imensas quedas d'água num fascículo de enciclopédia que eu colecionava na época. A matéria no fascículo dizia que os Saltos de Guaíra, mais conhecidos como Sete Quedas, era a maior queda d'água do mundo em volume de águas, maior até mesmo que as famosas cataratas do rio Niágara. Fiquei fascinado com a informação e com as imagens, e prometi para mim mesmo que hum dia veria de perto aquela maravilha da Natureza.

Porém, como diz a música de Luis Carlos Sá e Guttenberg Guarabyra aí em cima, o homem resolveu mudar a natureza.

No dia 13 de outubro de 1982, o fechamento das comportas do canal que desviava as águas do rio Paraná começou a sepultar hum dos maiores espetáculos da terra. Sete Quedas foi totalmente submersa para a formação do lago de Itaipu e construção da enorme usina hidrelétrica de mesmo nome. A concessão para exploração do aproveitamento hidráulico nesse trecho do Rio Paraná já havia sido outorgada pelo governo desde 1979, e o primeiro projeto, totalmente nacional, previa o desvio do rio logo acima das quedas, sem prejuízo para o fluxo das águas, construindo 3 usinas num canal de cerca de 60km, menores que Itaipu, mas que, juntas, gerariam mais energia que ela. E, logo depois da última usina, as águas seriam devolvidas ao rio, preservando as Sete Quedas. Porém, no auge do regime militar, o governo não abriria mão de executar huma obra que, sozinha, se mostrasse pujante, e representasse poderio progressista.

O projeto de usina totalmente nacional preservaria as Sete Quedas e evitaria uma série de “efeitos colaterais”. Teriamos as quedas, relações possívelmente melhores com o Paraguai, que nós sustentamos, comprando excedente de energia, mas para o qual somos vilões, e uma posição firme de preservação que, já na década de 70 poderia ser catalizador para uma política de preservação ambiental que impedisse uma série de absurdos cometidos nas últimas décadas em nome do “progresso”.

A megalomania, porém, venceu o bom senso. E eu, que tinha acabado de completar 13 anos de idade, senti o baque de perder em menos de hum ano, a possibilidade de realizar dois dos meus maiores desejos: ver Elis ao vivo e as Sete Quedas de perto.

Sei que eu era muito novo para me decidir a fazer huma viagem ou ir sozinho assistir a hum show. Mas procuro lembrar dos acontecimentos desse ano quando me vejo constantemente adiando as coisas que quero fazer. E isso me estimula a decidir por em curso tudo aquilo que me faz aproveitar melhor os meus dias.

A vida acontece hoje!


"Sete quedas por mim passaram,
e todas sete se esvaíram.
Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele
a memória dos índios, pulverizada,
já não desperta o mínimo arrepio.
Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes,
aos apagados fogos
de Ciudad Real de Guaira vão juntar-se
os sete fantasmas das águas assassinadas
por mão do homem, dono do planeta.

Sete quedas por nós passaram,
e não soubemos, ah, não soubemos amá-las,
e todas sete foram mortas,
e todas sete somem no ar,
sete fantasmas, sete crimes
dos vivos golpeando a vida
que nunca mais renascerá."

(Carlos Drummond de Andrade)




quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Combustível da história

















Na semana passada, a revolta dos Egípcios culminou com a renúncia do presidente Hosni Mubarak ao poder que sustentava já há 30 anos. Huma decisão que pode virar do avesso a geopolítica do Oriente Médio e, por que não, a do mundo inteiro.

Toda essa crise no oriente médio começou com a auto-imolação de hum jovem tunisiano e, logo, revoltosos de outras nações predominantemente mulçumanas se insurgiram diante da insatifação com crises de desemprego e regimes ditatoriais.

Instatisfação...

Aí está a peça chave. Pois não há dúvida de que presenciamos de nossas poltronas mais hum momento desses que faz mover a roda da história. E a peça que desencadeia esse movimento é quase sempre a insatisfação.

Há momentos históricos surgidos de diversos motivos... o nascimento de hum líder, a criação de huma idéia, a invenção de huma máquina, hum avanço da ciência, huma descoberta da medicina... mas aqueles que têm o potencial de mudar o mundo provêm, quase sempre, de alguma forma de insatisfação. Gabriel Garcia Marquez dizia que a força invencível que impulsionou o mundo não foram os amores felizes e sim os contrariados. E isso é inerente à condição humana. O homem só desceu das árvores e se aventurou a andar nas duas pernas por insatisfação... aí talvez a primeira volta da roda.

O grande problema reside no pós-revolta. Quando se consegue alcançar o que a insatisfação almejou. O que fazer? Estaremos sempre preparados para lidar com as nossas conquistas?

Lembro muito bem da imagem dos alemães destruindo o Muro de Berlim... levando pedaços dele como souvenires... lembranças de hum tempo que se acabara. Esse evento histórico ajudou a reconfigurar a Europa e a tornar viável sua comunidade. Mas houve outras revoltas que culminaram em ditaduras e regimes fundamentalistas. A humilhação da Alemanha depois da primeira guerra permitiu o surgimento de Hitler e seu reich. A revolução dos aiatolás no Irã fez nascer a teocracia fundamentalista iraniana que influenciou outros países muçulmanos. A revolução cubana gerou hum ditador que até hoje não apeia do poder.

Agora, mais huma vez, a revolta traz a vitória. E o que virá depois dela? É imponderável... A democracia é huma possibilidade clara, mas todos sabem que Ahmadinejad já está de olhos nos espólios dessa insurgência enquanto os EUA observa distante... Muitos comemoram, mas o fato é que ninguém sabe exatamente o que fazer. E há huma contradição aí. De hum lado autoritarismo com estabilidade garantida, do outro a liberdade com coerência de valores porém cheia de incertezas. De qualquer forma, já que as certezas autoritárias vão ruindo com o tempo, que venham as incertezas... afinal, como escreveu o filósofo francês André Glucksmann: "Jamais deve-se lamentar a queda de um tirano".

Sei apenas que minha geração presencia mais huma volta da roda, entre tantas... e por ter tido esse privilégio, deveria aprender o máximo possível com cada huma delas.




sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A transfiguração pela poesia.



















Pensando nos últimos acontecimentos em terras remotas, hoje deixo falar Vinícius, em hum dos meus textos favoritos dele:


"Creio firmemente que o confinamento em si mesmo, imposto a toda uma legião de criaturas pela guerra, é dinamite se acumulando no subsolo das almas para as explosões da paz.

No seio mesmo da tragédia sinto o fermento da meditação crescer.

Não tenho dúvida de que poderosos artistas surgirão das ruínas ainda não reconstruídas do mundo para cantar e contar a beleza de reconstruí-lo livre. Pois na luta onde todos foram soldados - a minoria nos campos de batalha, a maioria nas solidões do próprio eu, lutando a favor da liberdade e contra ela, a favor da vida e contra ela - os sobreviventes, de corpo e espírito, e os que aguardaram em lágrimas a sua chegada imprevisível, hão de se estreitar num abraço tão apertado que nem a morte os poderá separar. E o pranto que chorarem juntos há de ser água para lavar dos corações o ódio e das inteligências o mal-entendido.

Porque haverá nos olhos, na boca, nas mãos, nos pés de todos uma ânsia tão intensa de repouso e de poesia, que a paixão os conduzirá para os mesmos caminhos, os únicos que fazem a vida digna: os da ternura e do despojamento. Tenho que só a poesia poderá salvar o mundo da paz política que se anuncia - a poesia que é carne, a carne dos pobres humilhados, das mulheres que sofrem, das crianças com frio, a carne das auroras e dos poentes sobre o chão ainda aberto em crateras.

Só a poesia pode salvar o mundo de amanhã. E como que é possível senti-la fervilhando em larvas numa terra prenhe de cadáveres. Em quantos jovens corações, neste momento mesmo, já não terá vibrado o pasmo da sua obscura presença? Em quantos rostos não se terá ela plantado, amarga, incerta esperança de sobrevivência? Em quantas duras almas já não terá filtrado a sua claridade indecisa? Que langor, que anseio de voltar, que desejo de fruir, de fecundar, de pertencer, já não terá ela arrancado de tantos corpos parados no antemomento do ataque, na hora da derrota, no instante preciso da morte? E a quantos seres martirizados de espera, de resignação, de revolta já não terão chegado as ondas do seu misterioso apelo?

Sofre ainda o mundo de tirania e de opressão, da riqueza de alguns para a miséria de muitos, da arrogância de certos para a humilhação de quase todos. Sofre o mundo da transformação dos pés em borracha, das pernas em couro, do corpo em pano e da cabeça em aço. Sofre o mundo da transformação das mãos em instrumentos de castigo e em símbolos de força. Sofre o mundo da transformação da pá em fuzil, do arado em tanque de guerra, da imagem do semeador que semeia na do autômato com seu lança-chamas, de cuja sementeira brotam solidões.

A esse mundo, só a poesia poderá salvar, e a humildade diante da sua voz. Parece tão vago, tão gratuito, e no entanto eu o sinto de maneira tão fatal! Não se trata de desencantá-la, porque creio na sua aparição espontânea, inevitável. Surgirá de vozes jovens fazendo ciranda em torno de um mundo caduco; de vozes de homens simples, operários, artistas, lavradores, marítimos, brancos e negros, cantando o seu labor de edificar, criar, plantar, navegar um novo mundo; de vozes de mães, esposas, amantes e filhas, procriando, lidando, fazendo amor, drama, perdão. E contra essas vozes não prevalecerão as vozes ásperas de mando dos senhores nem as vozes soberbas das elites. Porque a poesia ácida lhes terá corroído as roupas. E o povo então poderá cantar seus próprios cantos, porque os poetas serão em maior número e a poesia há de velar."

(Marcos Vinicius de Melo Moraes)

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Minha pátria... minha língua...




















A voz do rapper Rappin' Hood ecoa no ambiente enquanto as palavras são projetadas lisergicamente nas paredes e nos tetos da praça da Língua, no Museu da Língua Portuguesa. Esse é hum dos momentos mais marcantes do audiovisual que é apresentado aos visitantes diariamente. As palavras são do poema atualíssimo de Gregório de Mattos Guerra, escrito no século 17 como huma crítica aos administradores de Salvador na época. Rappin' Hood declama o texto com voz raivosa e base de rap num efito hipnótico… o resultado pode ser considerado arrepiante!
Arrepiante, principalmente, porque o texto de Gregório de Mattos, mesmo depois de passados mais de 300 anos, ainda parece falar aos filhos do século 21.
E qual o veículo dessa interação entre os séculos… senão a língua?
Sim… é ela que permite hum texto escrito em anos remotos ressoar nas vozes dos bardos modernos. A língua mutável… adaptável… anamórfica… mas resiliente… que também é a identidade de huma nação, guardando em seu vernáculo a história dos povos que a formam.
Descobrir isso de maneira lúdica e interativa é apenas huma das experiências que os visitantes do Museu da Língua Portuguesa descobrem em seus corredores. Não huma coleção de relíquias como a palavra "museu" pode fazer pensar… mas hum registro da natureza mutável da nossa língua. Huma viagem que vale a pena ser apreciada.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Sensação rosa


















Sempre fui hum entusiasta da arquitetura da língua... as palavras me fascinam. Gosto de brincar com elas. Esculpir huma frase... desenhar huma sentença... lapidar hum verso...

Mas a língua não é apenas o campo léxico. E verbos, objetos, substantivos ou adjetivos são o suficiente para exprimir huma idéia, mas muitas vezes são ainda pouco para detalhar huma sensação.

Eu percebi isso muito claramente quando huma amiga, há algum tempo atrás, tentava me descrever hum momento que ficou em sua memória... hum momento embaixo de hum ipê roxo quando o sol passava por trás de seus galhos. Suas flores cor de rosa refratando a luz do sol... inundando tudo com essa cor. Eu entendia tudo o que ela
escrevia... e podia ver, na minha mente, a cena. Mas era apenas hum quadro que se pintava... faltava algo. Então ela me disse que a sensação que ela teve no momento foi huma "sensação rosa"...

Era isso apenas... huma expressão que não faria sentido em nenhuma outra frase me fez quase experimentar a mesma sensação que ela teve. Huma sensação rosa... nada mais.

Parece algo tão inverossímil quanto Bilac ouvindo estrelas...

Mas quando penso nisso, até mesmo as letras incompreensíveis de Zé Ramalho parecem fazer sentido... Nem sempre as palavras estão ali para serem entendidas... mas talvez para serem sentidas também.

Nós, muitas vezes nos apegamos demais ao raciocínio e deixamos de lado intuição e sensibilidade. Não levamos em conta que razão e a emoção se completam, mas são antagônicos. É hum paradoxo... pois sem a razão ou a emoção o ser humano jamais teria evoluído. Foi a razão que fez o homem se inquietar com o mundo e fazer perguntas que o distanciavam dos outros animais... e a emoção o fez encontrar respostas onde nem haviam perguntas.

Ouvir estrelas, então... e sentir palavras também...

domingo, 8 de junho de 2008

Esfinge


















Segredos...

Eu vejo a noite... imensa... escura... profunda...
E quero ser assim, insondável como a noite.
Ser grande e inefável como o vento que povoa a noite e faz a imaginação voar.
Mas por que?
O que nos faz buscar esse desejo de ser instigante porém inespugnável?
O que é velado é o que seduz?
Talvez...
O insondável é base da fantasia. Pois o que a imaginação procura é o que ela não conhece.
Todo mundo quer ser hum pouco esfinge. Todo mundo deseja ter algo a ser desvendado. Mas existem aqueles cujo segredo a ninguém importa... e aqueles que não têm segredo e o inventam para se sentir esfinge.

Segredo é sedução...
Mistério é fantasia...

E assim nasce o desejo... o desejo de ser misterioso e insondável como a noite.

(Ilustração: The Sphinx - Susan Seddon Boulet)