sexta-feira, 23 de maio de 2008

Estampas Eucalol



















Montado no meu cavalo eu libertava Prometeu.

Toureava o minotauro e era amigo de Teseu.
Viajava o mundo inteiro nas estampas Eucalol.
À sombra de um abacateiro Ícaro fugia do sol.
Subia a Monte Olimpo, ribanceira lá do quintal.
E mergulhava até Netuno no oceano abissal.
São Jorge ia prá lua, lutar contra o dragão.
São Jorge quase morria, mas eu lhe dava a mão.
E voltava trazendo a moça com quem ia me casar.
Era a minha professora que roubei do rei Lear.

No início da década de 30, o proprietário da fábrica Paulo Stern & Cia teve a idéia de encartar figurinhas nas embalagens de seu sabonete Eucalol, para alavancar as vendas de hum produto que não estava agradando muito os consumidores. A idéia deu certo e as figurinhas foram hum sucesso, estimulando nos consumidores hum hábito até então inédito de colecionar imagens. Assim nasceram as estampas Eucalol. Em suas mais de 300 séries retratavam o Brasil, o mundo, a história, curiosidades, bandeiras, paisagens, viagens pitorescas... muitas pessoas realmente começaram a conhecer o mundo pelas estampas do sabonete.
Inspirado nas Estampas Eucalol, Hélio Contreiras (baiano de Rio de Contas, na região da Chapada Diamantina), criou essa belíssima composição, rememorando as viagens literárias, históricas, míticas, fantasiadas a partir de sua coleção de imagens e aromas.
Quando ouvi essa canção pela primeira vez, na voz do violeiro Xangai, a sensação que tive foi a de huma viagem a tempos idos de infância... aquela cheia de criatividade onde o quintal se transforma em hum mundo de fantasia. Me lembrei que também eu fui assim. Que vivia as minhas aventuras no mundo abissal entre a porta da casa e o portão da rua. Onde huma simples poça de água era a entrada do reino de Netuno... onde o morro do quintal vizinho era o topo do Monte Olimpo. Onde hum buraco no meio do muro era o portal de Hades, o deus do inferno. Eu era soberano em hum reino que eu mesmo criava e destruia e recriava ao meu bel prazer. E todas as criaturas nele existiam porque eu existia. Todos os dias eram dias perfeitos. Todas as manhãs belas e azuis. Todas as tardes eram de vento e aventura. Ou talvez essa seja a lembrança porque foram esses dias, essas manhãs, essas tardes, que marcaram e permaneceram na memória. Talvez seja por isso que huma manhã amena de outono ou hum fim de tarde de inverno com horizonte em brasas me desperte tamanha nostalgia que lacera os sentidos e me anuvia a mente. Assim como algumas canções me fazem viajar para outros lugares e outras épocas, exatamente como as estampas Eucalol faziam viajar aquelas crianças naqueles tempos.
Queria poder envelhecer sem perder a capacidade que eu tinha lá atrás de fantasiar e viver as minhas fantasias. Ser criança é realmente huma dádiva.

(Ilustração: Estampas Eucalol - gravuras de Alexandre Oppido)

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Vento de maio...


















Noite evolando no ar... frio ar de outono.
Há algo de sóbrio e de lírico nesses dias quando o outono já vai em meio. Dias de maio... tardes de maio... vento de maio. Que toca a pele como dedos de huma amante delicada.
Muitos não gostam de dias assim. Preferem o abafado calor do nosso verão tropical. Não os culpo. Tempo de calor é tempo de sair e desfrutar a vida. Mas também há algo a se desfrutar em huma tarde fria... Somente a necessidade de se aquecer já vale a pena o frio que corta a pele. Quando nos aquecemos ao sol não porque ele está lá... mas porque sua luz morna vem deliciosamente nos proteger da brisa fria. Tempo de chocolate quente... de assistir filmes debaixo de edredons. De curtir a proximidade de alguém. De assistir as belas manhãs azuis. Pois as manhã são sempre mais azuis nos dias mais frios.
São Paulo fica maravilhosa nessa época.
E o vento...
Ah... o vento... que balança as copas da árvores derrubando folhas secas no chão. Nos proporcionando esse tapete dourado que estala aos nossos passos... o vento que sibila aos nossos ouvidos e nos convida à fantasia.
Quando sinto na pele esse ventro fresco numa tarde de maio quase posso ouvir a voz de Elis sussurrando em meu ouvido:

– Vento de maio... rainha dos raios de sol...

Sim... o vento nos convida à fantasia. Não a toa grande parte dos cenários oníricos estão ligados à brisa fresca e folhas no chão. Feche os olhos nessa tarde e sinta a brisa acariciar o rosto. Imagine o horizonte... o que vem lá? Não são pássaros rodopiando e cantando a melodia que o vento acompanha? Nao são núvens brancas planando à superfície da água? Olhe novamente... não... são cavalos correndo livres quase voando nesse horizonte onde tudo é possivel.
E a sua imaginação corre solta com esses cavalos revoltos. Há música no ar... notas etéreas de huma sinfonia que invade os ouvidos e anuvia o pensamento. E o perfume.. não sente esse aroma de sândalo que o vento parece trazer de odaliscas em huma noite árabe?

Vento de maio...

Assim nasce mais huma fantasia. Assim viaja mais huma vez os sentidos.
Há sempre algo de belo escondido numa tarde de hum dia qualquer.

Vamos aproveitar hum pouco mais os poucos dias frios que esse país tropical nos proporciona todos os anos?

(Ilustração: Snow Queen - Michael Whelan)