quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Combustível da história

















Na semana passada, a revolta dos Egípcios culminou com a renúncia do presidente Hosni Mubarak ao poder que sustentava já há 30 anos. Huma decisão que pode virar do avesso a geopolítica do Oriente Médio e, por que não, a do mundo inteiro.

Toda essa crise no oriente médio começou com a auto-imolação de hum jovem tunisiano e, logo, revoltosos de outras nações predominantemente mulçumanas se insurgiram diante da insatifação com crises de desemprego e regimes ditatoriais.

Instatisfação...

Aí está a peça chave. Pois não há dúvida de que presenciamos de nossas poltronas mais hum momento desses que faz mover a roda da história. E a peça que desencadeia esse movimento é quase sempre a insatisfação.

Há momentos históricos surgidos de diversos motivos... o nascimento de hum líder, a criação de huma idéia, a invenção de huma máquina, hum avanço da ciência, huma descoberta da medicina... mas aqueles que têm o potencial de mudar o mundo provêm, quase sempre, de alguma forma de insatisfação. Gabriel Garcia Marquez dizia que a força invencível que impulsionou o mundo não foram os amores felizes e sim os contrariados. E isso é inerente à condição humana. O homem só desceu das árvores e se aventurou a andar nas duas pernas por insatisfação... aí talvez a primeira volta da roda.

O grande problema reside no pós-revolta. Quando se consegue alcançar o que a insatisfação almejou. O que fazer? Estaremos sempre preparados para lidar com as nossas conquistas?

Lembro muito bem da imagem dos alemães destruindo o Muro de Berlim... levando pedaços dele como souvenires... lembranças de hum tempo que se acabara. Esse evento histórico ajudou a reconfigurar a Europa e a tornar viável sua comunidade. Mas houve outras revoltas que culminaram em ditaduras e regimes fundamentalistas. A humilhação da Alemanha depois da primeira guerra permitiu o surgimento de Hitler e seu reich. A revolução dos aiatolás no Irã fez nascer a teocracia fundamentalista iraniana que influenciou outros países muçulmanos. A revolução cubana gerou hum ditador que até hoje não apeia do poder.

Agora, mais huma vez, a revolta traz a vitória. E o que virá depois dela? É imponderável... A democracia é huma possibilidade clara, mas todos sabem que Ahmadinejad já está de olhos nos espólios dessa insurgência enquanto os EUA observa distante... Muitos comemoram, mas o fato é que ninguém sabe exatamente o que fazer. E há huma contradição aí. De hum lado autoritarismo com estabilidade garantida, do outro a liberdade com coerência de valores porém cheia de incertezas. De qualquer forma, já que as certezas autoritárias vão ruindo com o tempo, que venham as incertezas... afinal, como escreveu o filósofo francês André Glucksmann: "Jamais deve-se lamentar a queda de um tirano".

Sei apenas que minha geração presencia mais huma volta da roda, entre tantas... e por ter tido esse privilégio, deveria aprender o máximo possível com cada huma delas.




sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A transfiguração pela poesia.



















Pensando nos últimos acontecimentos em terras remotas, hoje deixo falar Vinícius, em hum dos meus textos favoritos dele:


"Creio firmemente que o confinamento em si mesmo, imposto a toda uma legião de criaturas pela guerra, é dinamite se acumulando no subsolo das almas para as explosões da paz.

No seio mesmo da tragédia sinto o fermento da meditação crescer.

Não tenho dúvida de que poderosos artistas surgirão das ruínas ainda não reconstruídas do mundo para cantar e contar a beleza de reconstruí-lo livre. Pois na luta onde todos foram soldados - a minoria nos campos de batalha, a maioria nas solidões do próprio eu, lutando a favor da liberdade e contra ela, a favor da vida e contra ela - os sobreviventes, de corpo e espírito, e os que aguardaram em lágrimas a sua chegada imprevisível, hão de se estreitar num abraço tão apertado que nem a morte os poderá separar. E o pranto que chorarem juntos há de ser água para lavar dos corações o ódio e das inteligências o mal-entendido.

Porque haverá nos olhos, na boca, nas mãos, nos pés de todos uma ânsia tão intensa de repouso e de poesia, que a paixão os conduzirá para os mesmos caminhos, os únicos que fazem a vida digna: os da ternura e do despojamento. Tenho que só a poesia poderá salvar o mundo da paz política que se anuncia - a poesia que é carne, a carne dos pobres humilhados, das mulheres que sofrem, das crianças com frio, a carne das auroras e dos poentes sobre o chão ainda aberto em crateras.

Só a poesia pode salvar o mundo de amanhã. E como que é possível senti-la fervilhando em larvas numa terra prenhe de cadáveres. Em quantos jovens corações, neste momento mesmo, já não terá vibrado o pasmo da sua obscura presença? Em quantos rostos não se terá ela plantado, amarga, incerta esperança de sobrevivência? Em quantas duras almas já não terá filtrado a sua claridade indecisa? Que langor, que anseio de voltar, que desejo de fruir, de fecundar, de pertencer, já não terá ela arrancado de tantos corpos parados no antemomento do ataque, na hora da derrota, no instante preciso da morte? E a quantos seres martirizados de espera, de resignação, de revolta já não terão chegado as ondas do seu misterioso apelo?

Sofre ainda o mundo de tirania e de opressão, da riqueza de alguns para a miséria de muitos, da arrogância de certos para a humilhação de quase todos. Sofre o mundo da transformação dos pés em borracha, das pernas em couro, do corpo em pano e da cabeça em aço. Sofre o mundo da transformação das mãos em instrumentos de castigo e em símbolos de força. Sofre o mundo da transformação da pá em fuzil, do arado em tanque de guerra, da imagem do semeador que semeia na do autômato com seu lança-chamas, de cuja sementeira brotam solidões.

A esse mundo, só a poesia poderá salvar, e a humildade diante da sua voz. Parece tão vago, tão gratuito, e no entanto eu o sinto de maneira tão fatal! Não se trata de desencantá-la, porque creio na sua aparição espontânea, inevitável. Surgirá de vozes jovens fazendo ciranda em torno de um mundo caduco; de vozes de homens simples, operários, artistas, lavradores, marítimos, brancos e negros, cantando o seu labor de edificar, criar, plantar, navegar um novo mundo; de vozes de mães, esposas, amantes e filhas, procriando, lidando, fazendo amor, drama, perdão. E contra essas vozes não prevalecerão as vozes ásperas de mando dos senhores nem as vozes soberbas das elites. Porque a poesia ácida lhes terá corroído as roupas. E o povo então poderá cantar seus próprios cantos, porque os poetas serão em maior número e a poesia há de velar."

(Marcos Vinicius de Melo Moraes)